𝐹𝑖𝑙𝑜𝑠𝑜𝑓𝑖𝑎, 𝑇𝑒𝑜𝑙𝑜𝑔𝑖𝑎 𝑒 𝐶𝑢𝑙𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑒𝑚 𝐺𝑒𝑟𝑎𝑙!

domingo, 15 de janeiro de 2017

O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO

Sétima parte
É admirável e até surpreendente que o amor humano, o amor entre um homem e uma mulher – amor que envolve doação, parceria, cumplicidade, carinho, carícias e intimidade sexual e erótica, – seja marcado por Cristo com a sua Graça, isto é, que seja um Sacramento. O amor entre homem e mulher, amor carnal, também é sinal do Amor de Deus. Vejamos...

O Catecismo da Igreja Católica afirma o seguinte: 
“O pacto matrimonial pelo qual o homem e a mulher estabelecem entre eles a comunidade [comum unidade] por toda a vida, por sua própria natureza ordenado ao bem dos esposos   e à procriação e educação dos filhos, entre os batizados foi elevado por Cristo Senhor à dignidade de Sacramento.” (CIC §1601)

            Há uma grande beleza nesta realidade: homem e a mulher, pelo amor, assumem uma aliança para toda a vida. E para quê? Primeiro por amor, para desfrutarem e viverem o amor entre eles: amando-se e sendo "felizes para sempre”. – É disso que o Catecismo está falando quando diz “bem dos esposos”. Em segundo lugar, porém não menos importante, o Matrimônio é assumido para que o casal partilhe seu amor com os filhos que Deus lhes enviar. O perfeito amor é assim, difusivo: espalha-se, difunde-se, aumenta... Quanto mais amor, mais partilha. E mais expansão de amor. 

            O Catecismo diz ainda que esse amor, entre um cristão e uma cristã, foi elevado por Cristo à dignidade, à condição de Sacramento, quer dizer, de sinal eficaz da Graça de Cristo(!). Até São Paulo, admirado, exclamou sobre essa realidade: “Mas é grande esse mistério!” (Ef 5,32). O Catecismo recorda ainda que a Escritura, do começo ao fim, fala do Matrimônio e do seu mistério profundo: basta lembrar que, logo no Gênesis, está a criação do homem e da mulher e a ordem de crescerem e se multiplicarem. E vemos ali a primeira palavra do homem, que não foi uma oração a Deus, mas uma declaração de amor: “Eis agora, aqui, o osso dos meus ossos e a carne de minha carne!” (Gn 2,23). E o Apocalipse, último livro da Bíblia, termina com a visão mística das Núpcias do Cordeiro, que é o próprio Cristo, com sua Igreja, a Jerusalém Celeste (cf. Ap 19,7.9).

O Matrimônio na ordem da Criação

            O Matrimônio, enquanto união sagrada entre homem e mulher, não começou a existir com o cristianismo; existe desde que existem os seres humanos. A Escritura diz que Deus nos criou à sua imagem, e semelhança. Entre outras coisas, isso significa que o homem, assim como Deus, é capaz de amar e de ser amado. Todos nós temos sede de dar e receber amor. Você já parou para pensar que somente amando é que nos humanizamos, amadurecemos, crescemos, não só espiritualmente como também emocionalmente e até intelectualmente? Amando é que crescemos enquanto seres humanos, em sentido integral. Quem não ama se desumaniza. Aquele que se fecha para o amor se animaliza, de um modo ou de outro.

            Por isso mesmo, - veja que interessante é isto, - no Gênesis lemos que Deus cria e vê que tudo o que cria é bom; mas, ao criar o homem, exclama: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). O SENHOR, então, do homem cria a mulher. Belíssima e profunda esta parábola, esta linguagem simbólica do Antigo Testamento da Bíblia! E a Escritura diz que então Deus mandou um sono ao homem, o que deixa claro que ele, homem, não participa da criação da mulher: ela é criada diretamente por Deus, assim como o homem. E Deus a tira da costela, do lado do homem, do seu íntimo, para que lhe seja companheira, para que sejam os dois "uma só carne" (Gn 2,24). Como dizia Sto. Agostinho, Deus não tirou a mulher dos pés do homem (porque ela não é inferior a ele) e nem lhe tirou da cabeça (ela também não lhe é superior): tirou-a do lado. 

            Significativo também é o fato de Deus não ter novamente assoprado sobre a mulher para dar-lhe a vida: ambos vivem do mesmo Sopro de Deus, pois foram feitos um para o outro. E o amor do homem pela mulher, logo que a viu, foi instantâneo (Gn 2,23).

            Assim vemos que o Matrimônio não é uma realidade exclusivamente cristã. Ainda que somente o Matrimônio entre cristãos seja Sacramento, as uniões entre homens e mulheres, fundamentadas no amor, são de algum modo abençoadas por Deus, pois estão inscritas naquele propósito inicial do SENHOR para a humanidade. Em todas as culturas e épocas, enquanto o ser humano existir, homem e mulher largarão tudo, sairão de seu ninho afetivo, deixarão a família em que nasceram e assumirão uma grande aventura: formar uma nova família, um novo lar, uma nova vida totalmente compartilhada, na qual o destino dos dois esteja entrelaçado, e desse laço dependa o destino dos filhos! Realmente, “é grande este mistério”...

O Matrimônio sob o regime do pecado

            A doutrina cristã católica trata da experiência do mal que cada um de nós e toda a humanidade vivencia: somos como que quebrados em nossas almas, incoerentes, muitas vezes egoístas. Tal situação atinge todos os aspectos da existência humana, e também a relação afetiva entre o homem e a mulher. Mesmo algo tão bonito como o amor verdadeiro de um casal não é sempre um "mar de rosas". Também esse amor é ameaçado pela discórdia, pelo espírito de domínio, pelo ciúme, pela infidelidade e por tantos conflitos que, acumulados, podem fazer com que, num desfecho extremo e trágico, esse sentimento sublime chegue a tornar-se ódio.
            O amor não é algo que "cai do Céu"... É um sonho, um desejo do coração, porém é constantemente ameaçado pela nossa desordem interior, e mais ainda pela desordem do mundo que nos cerca. De onde vem tais desordens? A fé nos diz que vem da situação de pecado na qual a humanidade toda se encontra. Esta situação de pecado, – que teologicamente chamamos Pecado Original, – provém do início da humanidade: o homem decidiu viver sua vida do seu jeito, quis ser seu próprio deus e, assim, desarrumou-se completamente: consigo mesmo, com Deus, com a natureza, com os outros... E a relação homem-mulher também foi gravemente prejudicada.
            A Sagrada Escritura está repleta de histórias que nos mostram como o amor humano muitas vezes degenera em egoísmo, o afeto em ciúme, a atração sexual em pura relação de domínio e desfrutamento carnal e egoísta. Mas, apesar de toda desordem, o plano de Deus para o amor humano continua vivo, belo, alto, nobre! Com a Graça que nos vem por Jesus Cristo, o homem e a mulher podem se superar e viver um amor realmente digno desse nome. É necessário, porém, investir nele, construí-lo, sabendo renunciar, dialogar, perdoar, aprender a ser feliz na felicidade do outro. O amor se aprende, o amor se constrói. Quem não está disposto a se construir e se formar no dia a dia não deveria se casar, porque não saberá amar de verdade, e o Sacramento do Matrimônio necessita de amor.
            Amar é saber ser verdadeiramente feliz pelo bem do outro, é saber sair de si para ir ao encontro do outro, com seus sonhos, projetos e jeito de ser. O amor real, de carne e osso, não se dá entre dois seres perfeitos e totalmente integrados; mas entre duas pessoas com virtudes, defeitos e feridas deixadas pela vida. Pessoas "em construção", pessoas que precisam ser perdoadas, acolhidas, amadas, aceitas. Nesse sentido, o Matrimônio é um belíssimo meio para sair de si, para abrir-se para o outro, para aprender a partilhar. O Matrimônio é caminho de superação, humanização e amadurecimento. É como um santo simulacro da relação ser humano - Deus.

O Matrimônio sob a pedagogia da Lei

            Como aparece o Matrimônio no Antigo Testamento? No início não é muito clara toda essa profundidade do amor matrimonial e sua dignidade. Nos textos mais antigos da Escritura, vemos que os patriarcas eram polígamos. - Contudo, pelos Profetas, Deus vai comparando sua Aliança com o povo de Israel a uma aliança matrimonial. E nessa relação de amor, Deus exige que Israel seja totalmente de seu Deus, assim como Deus lhe é e será sempre fiel. Sobre isso há páginas de grande beleza e poesia no Antigo Testamento (como Os 1-3; Is 54; Jr 2-3; Ez 16). Basta-nos o exemplo encantador do Livro de Oséias (2,16.21s), em que Deus se compara a um esposo apaixonado que vai seduzir Israel, sua amada:

“Eis que vou, eu mesmo, seduzi-la, conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração. Eu te desposarei a mim para sempre, eu te desposarei na justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu te desposarei a mim na fidelidade e conhecerás o Senhor!”

            Já o magnífico Cântico dos Cânticos celebra, a um só tempo, o amor humano e o amor entre o SENHOR, Esposo amoroso, e sua esposa, o povo de Israel:

Que me beije com beijos de sua boca! Teus amores são melhores do que o vinho, o odor dos teus perfumes é suave, teu nome é como óleo que escorre, e as donzelas se enamoram de ti... Arrasta-me contigo, corramos! Leva-me, ó rei, aos teus aposentos e exultemos! Alegremo-nos em ti! Mais que ao vinho, celebremos teus amores! (Ct 1,2-4)

Sim isto é Palavra de Deus! O amor humano em todo o seu realismo e sublimidade, que nos surpreende por ser capaz de exprimir o Amor da Aliança entre Deus e o seu povo.


O Matrimônio no Novo Testamento

            Cristo, Senhor e Salvador, veio para estabelecer uma nova Aliança, não somente entre Deus e Israel, mas, agora, entre Deus e a humanidade inteira, congregada num novo povo que é a Igreja. Nesta Aliança, que é nova e definitiva, o Esposo é o Cristo e a Esposa é a Igreja. Esta aliança é selada no Espírito Santo, simbolizado pelo Vinho novo. Assim, podemos compreender por que o primeiro sinal de Jesus foi numa festa de núpcias em Caná da Galileia (cf. Jo 2,1-12).
            Jesus ainda contou parábolas sobre o banquete de casamento (cf. Mt 22,1-14), falou das virgens que esperam o noivo (cf. Mt 25,1-13), falou em sentar-se à Mesa do Banquete com Abraão, Isaac e Jacó (cf. Mt 8,11s), e João Batista afirmou claramente que Jesus é o Esposo que vem desposar Israel (o novo Israel, que é a Igreja – cf. Jo 3,29). Então, Cristo é o Esposo, e a Igreja, a Esposa, numa Aliança de Amor eterno.
            Por isso, o Matrimônio entre um cristão e uma cristã, entre dois batizados, é um Sacramento. É um sinal real e eficaz da graça de Cristo: o esposo cristão é, no seu amor, imagem viva do amor do Cristo-Esposo pela Igreja-Esposa; a esposa cristã é, no seu amor, imagem do amor da Igreja-Esposa pelo seu Cristo Jesus. É o que São Paulo proclama na Carta aos Efésios: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela”... (5,21ss).
            Então, pela Graça do Sacramento, os esposos cristãos recebem a força do Espírito Santo, Espírito de amor, Espírito da Nova e Eterna Aliança, para se amarem como Cristo e a Igreja se amam, sendo, em suas vidas, sinal (= Sacramento) do Amor entre Cristo e a Igreja. O esposo cristão terá como ideal de amor e atitude esponsal o Cristo, que amou sua Igreja até entregar-se por ela, tornando-se com ela um só Corpo; a esposa terá como modelo a Igreja, toda dedicada ao Esposo Jesus, sendo seu Corpo e a ele permanecendo fiel mesmo nos momentos mais difíceis. Cristo e a Igreja, uma só Carne. Numa Aliança de Amor eterno, celebrada em cada Eucaristia, quando o Cristo-Esposo entrega sua Carne pela Igreja-Esposa. 
Do mesmo modo, marido e mulher, uma só carne, uma só vida: no dia-a-dia, no leito conjugal, na mesa da família... Sim, “é grande este mistério”! – Que o amor humano seja sinal sacramental do Amor divino!
O Sacramento do Matrimônio na prática
Curso de Preparação ao Matrimônio: A Igreja pede aos noivos que participem do curso de preparação da paróquia onde vão casar-se, que tem por objetivo ajudar os noivos a se prepararem bem para o casamento, tendo em vista a reflexão e orientações sobre vida a dois, com base em testemunhos de casais já casados. A equipe do curso normalmente é constituída de um casal coordenador, assistentes e casais animadores. São pessoas que têm experiência nas alegrias e dificuldades da vida de casado e partilham seu testemunho. A duração do curso depende da paróquia. O ideal é que seja realizado alguns meses antes da data do casamento, para que haja uma reflexão real sobre o Matrimônio.

Padrinhos: o Sacramento do Matrimônio não exige a presença de padrinhos, e sim de duas testemunhas. O Código de Direito Canônico (Cân. 1108) determina que somente é válido o Matrimônio contraído perante um ministro assistente e duas testemunhas.

            Notemos bem: exatamente porque a relação entre marido e mulher cristãos é sinal/Sacramento do Amor entre Cristo e a Igreja, somente quem realmente tem uma vida cristã deveria receber o Sacramento do Matrimônio. Como é que duas pessoas que não têm uma vida de fé, uma prática verdadeiramente cristã, poderiam viver essa relação sagrada em suas vidas? Como um casal que não vivencia realmente a experiência cristã poderá viver esta realidade maravilhosa: nosso amor é sinal de um Amor maior, nosso amor tem o Selo da Graça que nos sustenta na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, como entrega amorosa entre o Cristo e sua Esposa, a Igreja? É claro que o mundo não compreenderá nunca tal realidade! O Matrimônio é mistério de fé e somente na fé pode ser acolhido, somente na oração pode ser vivido e somente na graça pode ser mantido!

            Por ser sinal da relação entre Cristo e a Igreja, a união matrimonial tem três características fundamentais presentes na relação Cristo-Igreja: a fidelidade, a indissolubilidade e a fecundidade. Sem estas três características não há nem pode haver Sacramento do Matrimônio. Assim, aqueles que se casam “no SENHOR”, ou seja, aqueles que desejam receber o Sacramento do Matrimônio, devem ter plena consciência de que estão assumindo o projeto de Cristo para o amor humano entre homem e mulher. Um casal cristão não pode pensar em viver seu Matrimônio "do seu jeito", como se o casamento fosse algo meramente privado; uma formalidade que serve aos desejos egoístas de duas pessoas que querem "juntar os trapos". Assumir um casamento perante Deus é assumir o que a Igreja do Senhor crê e professa sobre o Matrimônio.

SACRAMENTOS DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em:  <    www.ofielcatolico.com.br  >.  Acesso em: 15/01/2017.


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